quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Resgatando o Passado



                        
O arquivo Maaravi – Revista Digital de Estudos Judaicos – espera acolher trabalhos de escritores e artistas que se dedicam aos Estudos Judaicos desde o Ocidente até o Oriente, tal qual essa fotografia datada do final da década de 1960 do escritor argentino Jorge Luis Borges junto ao Kotel – o Muro Ocidental ou Muro das Lamentações – em Jerusalém.
Observe como suas mãos tateiam como se lesse, em braile, esse testemunho monumental da cultura e da tradição judaica. O muro, ruína do Templo, testemunhou séculos de história constituindo-se como um arquivo da memória judaica da dispersão. Diante desse muro, Borges parece um homem pequeno e frágil.
A fotografia, em preto e branco, sem data ou crédito, não é nítida. As seculares pedras da construção, justapostas, deixam ver os pequenos espaços que existem entre elas. Nas gretas e vãos que se formam, os fiéis inserem pequenos pedaços de papel com pedidos, orações, promessas. 
O poema "O muro das lamentações", de Iacov Cohen, com tradução inspirada, de Cecília Meireles, também ilumina essa metáfora:
Na alta colina há um velho muro de pé,
Todo cheio de fendas, de onde sai a erva grossa.
Mas sua força está íntegra,
No coração forte das pedras.

Diante desse velho muro há velhinhos curvados:
Inclinam-se, rezam, choram;
Contam seus lutos e redizem às pedras
Seu sofrimento ainda recente e vinte vezes secular.
E da extrema altura, sobre o muro arruinado
Nascem raios de sol dourados de piedade;
E o Deus que desce de onde descem essas luzes
Consola ao mesmo tempo os velhinhos e as pedras
. 1

Esse arquivo de pedras é um lugar de culto e de adoração. Os judeus ortodoxos, com seus trajes e chapéus negros, movimentam o corpo e movem seus lábios em orações diante dele. Os jovens soldados israelenses fazem ali seu voto de amor à pátria. Pais e filhos renovam, ano após ano, sua aliança com o Eterno. O Templo, que sobrevive metonimicamente nessa parede, é a casa do Messias, a promessa da construção do terceiro Templo e do corpo judaico que foi disperso nas diásporas e exílios.

A proposta da revista, que passa pela concepção da tradição judaica com seu léxico, procedimentos e temas, como um arquivo aberto, ou como a Biblioteca de Borges, não é aqui concebido como o acúmulo de documentos inertes de um passado perdido ou como um testemunho petrificado de uma identidade perdida.

O arquivo da cultura judaica, que aqui tomamos através da metáfora do Kotel, espera lidar com o passado como estrelas próximas, ou muito longínquas, arcaicas até, que vêm até nós através de certo rastro luminoso, ou, com o presente e o futuro, que podem se apresentar em todo o seu fulgor através de vestígios, como queria Walter Benjamin.

1. COHEN, Iacov. O muro das lamentações. In: Poesia de Israel. Trad. Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. p. 33.

Texto extraído de Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG


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