sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Poema de Luis de Camões Salmo 137



“Junto aos rios de Babilônia nos assentamos e choramos lembrando-nos de Sião”   Salmo 137


Sôbolos rios que vão  
 
Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
2

Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
3

E vi que todos os danos
se causavam das mudanças
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.
4

Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder o mal,
e o mal, muito pior,
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.
5

Bem são rios estas águas,
com que banho este papel;
bem parece ser cruel
variedade de mágoas
e confusão de Babel.
Como homem que, por exemplo
dos transes em que se achou,
despois que a guerra deixou,
pelas paredes do templo
suas armas pendurou:
6

Assi, despois que assentei
que tudo o tempo gastava,
da tristeza que tomei
nos salgueiros pendurei
os órgãos com que cantava.
Aquele instrumento ledo
deixei da vida passada,
dizendo: -- Música amada,
deixo-vos neste arvoredo
à memória consagrada.
(...)

13

Mas lembranças da afeição
que ali cativo me tinha,
me perguntaram então:
que era da música minha
que eu cantava em Sião?
Que foi daquele cantar
das gentes tão celebrado?
Porque o deixava de usar?
Pois sempre ajuda a passar
qualquer trabalho passado.

14

Canta o caminhante ledo
no caminho trabalhoso,
por entre o espesso arvoredo;
e, de noite, o temeroso,
cantando, refreia o medo.
Canta o preso docemente
os duros grilhões tocando;
canta o sagador contente;
e o trabalhor, cantando,
o trabalho menos sente.
15

Eu, que estas cousas senti
n'alma, de mágoas tão cheia,
- Como dirá, respondi,
quem alheio está de si
doce canto em terra alheia?
Como poderá cantar
quem em choro banha o peito?
Porque, se quem trabalhar
canta por menos cansar,
eu, só, descansos enjeito.
16

Que não parece razão
nem seria cousa idónea,
por abrandar a paixão,
que cantasse em Babilónia
as cantigas de Sião.
Que, quando a muita graveza
de saudade quebrante
esta vital fortaleza,
antes moura de tristeza
que, por abrandá-la, cante.

(...)

Ver poema completo no link
http://pt.wikisource.org/wiki/S%C3%B4bolos_rios_que_v%C3%A3o

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