sexta-feira, 24 de junho de 2011

Gilad Shalit – A História de um herói nacional

As nuvens carregadas que pairavam sobre a cidade faziam parte daquela triste paisagem de um dia qualquer da semana. Havia chovido na noite passada e estava frio. Assentado em sua casa, o homem olhava as notícias do jornal Haaretz sempre prestar atenção no que elas diziam.

Já havia se passado muitos dias e ele não tinha notícia do filho. A mulher ainda dormia por causa do efeito do remédio e ele não sabia mais o que fazer ou o que pensar. Desde que o filho foi levado cativo por milicianos do Hamas, passava os dias esperando algum tipo de milagre. As horas se arrastavam alongando as manhãs, as tardes e as noites ou passavam rápido demais até que ele se desse conta que há um ano atrás ou dois... Ele o filho haviam saído para passear no centro da cidade, ou passaram a tarde assistindo o jogo de futebol ou o noticiário naquela mesma sala.

Às vezes, aquelas lembranças teimavam em massacrar-lhe o coração, já tão esmagado pelo sofrimento. Não tinha como impedir que o passado lhe assombrasse, pois tudo lembrava o filho: o quarto vazio, as roupas na gaveta, objetos, livros, retratos espalhados pela casa, 
o silêncio... 



Aquele maldito silêncio incomodava mais do que as brigas de Gilad com o irmão, ou as calorosas discussões na adolescência. Pensou em como queria voltar ao passado...  

Então caminhava até o quarto do filho e passava horas olhando um a um, cada objeto que pertencia ao filho, arrumando-os imaginando que quando o jovem voltasse encontraria tudo organizado e limpo. As lágrimas vinham inundar sua face e ali, sozinho, chorava, sem ter o que ou quem o consolasse. Na frente das pessoas tentava mostrar firmeza, coragem, determinação, mas só D-us sabia como era realmente difícil.

Muitas vezes sentiu que era injusto com o outro filho, estava sempre tão nervoso que se distanciava e o jovem sentia a falta do pai. Às vezes os dois compartilhavam da mesma dor e das lembranças. Aí o pai se afastava de novo e ficava olhando pela janela vendo os amigos de Gilad andando pelas ruas, voltando pra casa, pra suas famílias. Ouvia seus risos, suas brincadeiras, como Gilad fazia. Alguém o cumprimentava e ele acenava mecanicamente.

A dor maldita que imprensava o coração no peito voltou a incomodar. O homem gemeu e tentou não chorar. Mas era difícil! Queria gritar! Queria socar alguém! Acusar esta ou aquela pessoa! Por que meu Deus? Por quê? Tinha que ser o meu filho? Às vezes se pegava indagando. Não que quisesse que isso acontecesse com o filho de outro. Não! Mas ninguém podia condená-lo por pensar assim. 

Era o seu menino! O garotinho que viu nascer, dar os primeiros passos, cambaleando aqui e ali segurando firme em sua mão... E agora... Sabe-se lá o que estaria acontecendo com ele... 

Quando alguém insistia para que ele e a mulher se alimentassem melhor, tentava ser gentil, mas era difícil engolir qualquer coisa sem saber se o filho tinha almoçado ou jantado... Ou... Se há dias estava passando fome, jogado num canto qualquer. Como poderia saborear uma comida sem saber o que o filho estaria comendo! Que droga! Gritava ao jogar longe o prato de comida que lhe ofereciam. São terroristas! Falava alto tentando convencer-se do pior.  Meu filho não está numa prisão comum... Podiam estar maltratando ele, aterrorizando... Então rezava pediando a D-us para manter a integridade física e mental do filho.

- Shalit... Murmurou. Como era difícil conviver com aquele vazio na alma! 

Em algum momento achou que o filho já estava morto e que era por isso que “eles” se silenciavam... Revoltado pensava que se o filho estivesse realmente morto... E Deus sabe como ele não queria isso... Ele tinha o direito de enterrar seu filho! Ele tinha esse direito...

Ás vezes, colocava a culpa em D-us, no Todo Poderoso de Abraão, que abriu a Mar Vermelho para o povo de Israel passar, mas não foi capaz de proteger seu filho! Depois pedia perdão a HaShem colocando a culpa na dor da separação, na falta de notícias sobre o filho, no desespero que tomava conta de sua alma!

- Quero meu filho de volta... Voltou a gemer como se fosse uma oração. Então, a pior das lembranças lhe veio:

O jovem Shalit entrou em casa fazendo um grande alvoroço. Os pais estavam na sala e fizeram um leve movimento com a cabeça para observar o filho. Não que estivessem estranhando toda aquela bagunça. Não era de hoje que Shalit esperava aquele momento chegar e sempre que podia lá estava ele contando os dias para poder entrar no Tzahal - as Forças de Defesa de Israel.





Desde pequeno admirava os soldados israelenses com seus uniformes e armas andando pelas ruas. Eram seus heróis nacionais sempre prontos a entrar em ação para defender o povo, como tantos outros do passado. Heróis que fizeram a história do povo de Israel. Que se imortalizaram por sua coragem e determinação. 

“Um dia vou ser um deles!” Pensava o adolescente.


Os pais já tinham se acostumado com a idéia, pois todos os jovens em Israel, ao completarem 18 anos, ingressavam no Tzahal. Mesmo as moças não tinham outra opção, e engrossavam as fileiras com seus uniformes verde-escuro, armas e capacetes ou boinas. 

O rapaz foi para o quarto e a porta entre aberta deixou as notas musicais que tocava em seu violão contagiar toda a casa. O pai sorriu como se pudesse voltar no passado, e reviver seus próprios dias de juventude. A mãe resolveu apressar o término do almoço para que pudesse reunir toda a família em volta da mesa. De repente, o som do violão parou e Shalit passou na frente dele falando ao telefone com a namorada, fazendo planos para o próximo final de semana.

Lembrou que sorriu alto brincando com o filho, imitando sua voz de menino apaixonado, Gilad jogou uma almofada no pai para que ele parasse de atrapalhar o namorico. A mãe chamou a família para almoçar e logo estavam sentados em volta da mesa fazendo a oração costumeira. Surgiram outros assuntos, como em qualquer ambiente familiar. Ninguém se deu conta que aquele era o último dia que veriam o jovem Shalit.

Nos primeiros meses do cativeiro, quando tentavam reunir a família na hora do almoço ou do jantar, a mãe colocava o prato de Shalit como se o filho estivesse em casa. O pai tentava argumentar, dizer que não fazia sentido aquele prato ali, o dia inteiro... Mas como convencer uma mãe que seu filho não vai voltar? Como impedir que ela sirva o café da manhã para o filho do mesmo jeitinho que fazia antes? 

Aquelas refeições diárias perderam o sentido... E quantas vezes os dois se esbarravam no corredor durante a madrugada, porque ficavam olhando pela janela a espera do filho e voltavam sonolentos porque o cansaço os dominava? Ou passavam horas esperando o telefone tocar e rezavam por qualquer notícia.,. Qualquer uma!

Mas a notícia não veio, passou-se um ano, dois, três, quatro...  E nada! No terceiro ano de cativeiro mandaram um vídeo onde Gilad mostrava a data de um jornal, o jovem pálido e magro fazia um apelo por sua vida. O vídeo circulou pela Internet, mas as negociações para sua libertação não fluíram como se esperava.  




A partir daquela data ninguém mais teve notícias do jovem Shalit. Segundo as declarações do governo nem mesmo os médicos da Cruz Vermelha tiveram o direito de dar assistência médica a Gilad.

Os pais resolveram apelar, não podiam ficar calados, precisavam de ajuda. Alguém tinha que intervir e fazer algo pelo filho, mas quem? Quem teria tanto poder?  

Apelaram para a mídia, ministros, para os jornais, amigos, governantes, redes sociais, parentes, comunidades, fizeram passeatas, entrevistas, acamparam próxima a residência do Primeiro Ministro... 





Mas os membros da milícia que mantinham Gilad no cativeiro não deram a menor satisfação sobre a vida do filho.

Mais um ano se passou. O mês de junho estava chegando e com ele a lembrança daquele dia terrível...

O rapaz havia ingressado no Tzahal e naquele ano de 2006 completaria 20 anos. A Faixa de Gaza havia sido devolvida como parte das negociações para a paz entre Israel e seus vizinhos. O pelotão de Gilad patrulhava o kibutz Kerem Shalom quando militantes armados do Hamas capturaram Shalit e por meio de um túnel que construíram na fronteira o levaram para o cativeiro.

A partir daquela data ninguém mais teria notícias dele. Quando os pais foram comunicados o desespero passou a fazer parte de suas vidas e desproporcionalmente aquele pesadelo crescia a cada dia. O medo, a dor, a angústia, a espera e o silêncio mantinham suas almas unidas, não eram mais uma família feliz apenas participantes de uma terrível e desumana historia que parecia não ter fim...

O filho não estava viajando, não estava morando em outro lugar e esqueceu-se de telefonar. Não! Ele não estava estudando em outro país... Estava preso, amarrado, ferido... Se pudesse... E só Deus sabe como desejava isso, trocaria de lugar com o filho... E não houve um só dia que tenha deixado de pensar nele! Queria poder dizer-lhe isso pessoalmente, tocar nele e dizer: Eu estou aqui ao seu lado! Eu nunca te abandonei meu filho! Nunca desisti de você! Nunca!

O pai chorou ao lembrar-se dessa promessa que fez aos filhos quando eles eram pequenos de sempre protegê-los e que podiam confiar nele!  Chorou mais ainda por não poder cumpri-la agora... 

Ele, o maior de todos os heróis, como seus filhos o chamavam, estava ali de mãos atadas, sem super poderes, sem visão de raio x, sem poder de invisibilidades para entrar e sair de qualquer lugar, sem força sobre humana para salvar o seu filho querido e trazê-lo de volta para casa.

Agora ele se sentia apenas  um pobre e simples mortal pedindo a sua ajuda, as suas orações e esperando por um milagre...

Free Gilad Shalit


Marion Vaz

(Nesse quinto aniversário do cativeiro de Gilad Shalit (25 de junho), eu gostaria de dar um final feliz a essa história, mas nesse momento só posso compartilhar dessa dor.)

 

Três Meses depois...  18 de outubro de 2011


O tempo parece não querer passar por vezes que o pai olha o relógio... Faz tanto tempo... e cada minuto acrescenta uma dose a mais de sofrimento.
-Será?  Pensa, balbucia a cada instante.

Olha em volta e contempla o restante da família que compartilha da mesma agonia. A mãe aperta os dedos das mãos que já está vermelha e dolorida. A espera é tão desconfortante... Mas todos, sem excessão, estão anciosos. O telefone... a pouca distancia é o aparelho mais importante naquele momento e naquele acampamento.

Mas há também aquele sentimento de cumplicidade quando os olhares se encontram. O filho mais velho parece calmo. Mas só parece. Ele levanta... anda de um lado para outro... Depois olha para o pai que o convida a  chegar mais perto. Ele obedece e os dois se abraçam.
- Vai dar tudo certo! Responde o homem com olheiras que marcam o rosto.
- Como sofreu... Compreende o filho com aquele mesmo aperto no coração que o acompanhou nos últimos anos.

O pai parece ler seus pensamentos e de repente percebe-se um lapso de sorriso no rosto: A certeza veio... De repente... Como aquele pequeno raio de sol que entra pela janela anunciando um novo dia. Todos se olham e compartilham de uma esperança.

E de repente... Sem que qualquer um deles pudesse prever... O som do telefone invade o ambiente.  Perplexos, ficam paralizados sem saber o que fazer por alguns instantes. O som que tanto esperavam continua.

As mãos tremulas do chefe da família agarram o aparelho como se fosse uma boia em alto mar. A voz do outro lado da linha... Também trêmula... Rouca... Arranca lágrimas contidas nos olhos do homem que está em pé.
- Pai... O coração bate forte... Descompaçado... A voz amiga que tanto ajudou na defesa do filho... Agora falha... Pai... Ouve outra vez.
- G-Gilad... Me filho... Gagueja. É você?
- Eu vou pra casa... A voz parece fraca... Mas é ele mesmo! Reconhece o pai apontando o fone.

A família toda está ali... A mãe tenta se levantar, mas as pernas não ajudam e ela senta de novo e chora e ora e louva...
- Meu filho está vivo... Vivo...

O pai renova as forças, limpa as lágrimas que banham o rosto e libera todas as suas emoções.
- Eu vou te buscar! Começa a gritar! Filho! Eu vou te buscar! Eu to indo!

Não demora muito e uma comissão do Estado de Israel está próxima ao local. O dia está claro e a cidade em alerta. Pessoas de todas as idades também não dormiram naquela noite aguardando silenciosamente...

Enquanto o carro percorre a estrada, a familia Shalit percebe em cada rosto uma palavra de fé, em cada aceno de mão, nas camisetas estampadas, nas bandeiras azuis e branca que tremulam nas mãos das crianças.

Não! Não  é um sonho! Seu filho estava voltando para casa depois de cinco anos de cativeiro!

Gilad Shalit é recebido em seu país como um herói nacional.

 
Obridada Senhor D-us!


Gilad Shalit voltou para casa em 18 outubro de 2011. O preço pela sua liberdade foi pago porque uma vida, um homem, um soldado israelense vale muito mais!

D-us seja louvado!

Marion Vaz

Um comentário:

  1. Shalom, perseverança e confiança, pois o Pai não esquece de Seus filhos. HaShem não esquece das obras de Suas mãos. Juízo sobre os que oprimem o Povo Escolhido. Q o Altíssimo dê um final feliz.

    ResponderExcluir